gestão dos stakeholders

Os stakeholders costumam ser o principal fator de sucesso ou fracasso do projeto: seja quando eles se esforçam para atingir as metas ou quando eles competem e retiram recursos vitais para o projeto.

O gestor experiente sabe que deve começar por mapear os interesses de cada pessoa que participa ou se relaciona com o projeto para depois definir a melhor forma de conduzir a relação segundo o nível de interesse e poder de cada um. Este é o propósito de uma boa análise de stakeholders que detalhamos neste artigo.

O conjunto dos interessados (stakeholders) de um projeto engloba todas as pessoas que de alguma forma podem influir no sucesso do projeto. Assim considera-se interessado desde o patrocinador, os fornecedores, os membros da equipe de projeto, os membros da diretoria da empresa e o público externo (usuários e vizinhos) que seja afetado pelo projeto. Cada projeto tem seu grupo de stakeholders próprio. A questão crítica é identificar todos os que podem influir.

No caso de uma represa, por exemplo, pelas dimensões do empreendimento haverá impacto para os moradores da região e ao longo do rio.

Estas pessoas são afetadas pelo resultado do projeto e podem influir de várias formas no andamento dos trabalhos, desde colaborando com as equipes de construção até obstruindo a obra com denúncias junto aos orgãos de controle ambiental.

Uma atitude pró-ativa por parte do Gestor do Projeto é estabelecer um canal de diálogo com este grupo, ou grupo(s), para evitar surpresas que tenham impacto negativo no andamento dos trabalhos.

Normalmente, como no caso acima, nos preocupamos com as ameaças externas, esquecendo que os maiores perigos podem estar mais próximos, dentro de casa. Pense no caso dos acionistas e diretores da empresa. É tentador supor que estão todos interessados no sucesso do projeto para o bem da empresa, mas os acionistas podem ser um problema se têm uma mentalidade de maximização dos lucros no curto prazo e/ou se preferem assumir um mínimo de risco na operação, o que pode tirar espaço para a inovação. Um diretor com uma visão de curto prazo, preocupado só com o seu bônus anual, pode ser um problema quando começa a reter recursos vitais para o sucesso do projeto.

As etapas do processo de análise

A Análise dos Stakeholders é um processo sistemático de coleta e análise de informação sobre os interesses, objetivos e preferências dos interessados para se mapear os riscos e as necessidades de comunicação do projeto. Resumidamente, as etapas são estas:

1.determinar quem pode afetar o projeto. A lista deve ser exaustiva como dissemos.

2.identificar os pontos de contato de cada interessado com o projeto. Pessoas que estão realizando o trabalho diariamente têm maior influência do que fornecedores pontuais.

3.identificar como cada interessado pode ajudar e atrapalhar o andamento do projeto, são as influências positivas e negativas.

4.quantificar os graus de poder/influência e interesse de cada interessado. Isso pode ser subjetivo obtido a partir do levantamento do comportamento passado ou mais objetivo usando um modelo probabilístico.

Para sistematizar a sua análise, faça uma planilha com os nomes/cargos dos interessados na primeira coluna. Na segunda coluna você lista as influências positivas e na terceira as negativas. Na quarta coluna coloque uma uma nota de 1 a 10 para dimensionar o grau de poder (influência) que cada interessado tem no projeto (10 é o máximo). Na quarta e quinta colunas coloque o grau de interesse (de 0 a 10) no projeto.

Na tabela de análise, você pode colocar uma sexta coluna indicando como você vai tratar cada interessado, que pode ser: monitorar (acompanhar a distância), manter informado (este caso já merece que se formalize a comunicação no Plano de Comunicação), manter satisfeito (além de informado, este nível exige um acompanhamento das expectativas) e gerenciar (nível máximo de acompanhamento, com contato frequente e muita transparência). Como o patrocinador tem poder total sobre todas as etapas do projeto, ele é um stakeholder crítico que deve ser gerenciado, ie. deve receber um acompanhamento muito próximo.

Pela natureza do seu conteúdo, este documento é estratégico e sigiloso. Ele tem este aspecto:

Uma ferramenta gráfica que se usa nesta tarefa é um mapa com dois eixos: o de poder (vertical) e o de interesse (horizontal). Coloque os interessados no mapa segundo os parâmetros da análise que você já fez como neste diagrama:

Este diagrama segue esta estrutura:

Para entender o interesse de um stakeholder no projeto, pense no que ele tem a ganhar ou perder com o sucesso do projeto e não se esqueça de que mesmo as pessoas "racionais" têm comportamentos "irracionais". A língua alemã tem até uma palavra para a sensação que se tem diante do infortúnio alheio: "schadenfreund". Claro que se você puder fazer algo para vencer as resistências conhecidas, essa é uma boa hora para pensar nas estratégias para reverter opositores em aliados ou, pelo menos, em neutros.

Pense no exemplo do gerente de outra área que pode estar interessado no fracasso do seu projeto. Para isso, ele pode desde ativamente trabalhar contra ou simplesmente ser um potencial concorrente para os escassos recursos que o projeto demanda.

Não se trata só de dinheiro: suponha que haja um grande especialista no assunto que seu projeto necessita e este concorrente interno o requisita justamente quando você precisa dos conselhos deste especialista.

Não há como buscar este recurso no mercado já que este profissional é altamente especilizado e deve possuir um profundo conhecimento das pecualiaridades dos produtos que sua empresa fornece. Ao retirar a possibilidade de contar com o especialista, o concorrente interno efetivamente impactou o seu projeto e isso deveria ter sido previsto antecipadamente.

Discutimos mais a fundo formas de contornar o problema quando falarmos sobre a Gestão de Riscos. Nos processos de Gestão do Risco devemos listar os potenciais riscos ao projeto, dimensionar sua probabilidade e impacto para decidir o quanto antes como tratar do problema quando/se ele ocorrer.

Minha experiência

Relato uma situação que vivi, só omitindo os nomes para ser elegante. Fui chamado para implantar um serviço de telefonia pela internet (VoIP) numa empresa que já tentara isso duas vezes no passado com seus colaboradores.

Procurei saber porque o projeto não dera certo antes. Conversando com várias pessoas fui informado de que na primeira vez o engenheiro destacado era da velha guarda e não concordava com a forma como o serviço seria implantando e sabotou o trabalho. Como este profissional não dominava o idioma inglês, a versão oficial era que ele não conseguia se comunicar com os "gringos". Depois foi chamado um jovem engenheiro que falava inglês para ajudar o mais experiente a implantar o serviço. O engenheiro mais velho se sentiu humilhado por ter de se reportar a uma pessoa bem mais jovem, uns 30 anos mais jovem. Quando eu fui conversar com ele, ele me recebeu com duas pedras na mão: queria saber quanto eu entendia da solução técnica e me fez um interrogatório completo.

Naquele momento eu sabia bem menos do que ele, mas disse-lhe que gostaria de estudar a questão a fundo e precisaria da sua ajuda neste processo. Eu deixei claro que eu era consultor externo e não pretendia me empregar naquela empresa, de forma que eu não deveria ser visto como um concorrente para ele. Mesmo assim trabalhei com cuidado para evitar qualquer ofensa e mantive uma postura de bom discípulo do "mestre". Eu comprei livros, estudei a tecnologia e em duas semanas dominava a questão técnica. Fiz ao velho engenheiro uma série de perguntas que lhe mostraram que eu entendia o assunto e ele se acalmou.

O segundo passo foi estabelecer contato com os técnicos no exterior, que se sentiram mais tranquilos diante da minha fluência no idioma inglês e me confessaram espanto com o atraso na implantação. Eu estabeleci um bom relacionamento com eles e sabia o que tinha de fazer do nosso lado, mas ainda assim não conseguia fazer o projeto andar.

Neste momento, o velho engenheiro foi indispensável para o sucesso do trabalho pois ele conhecia todos os técnicos da empresa e lhes pedia atenção especial ao nosso projeto. Cada vez que era atendido, ele se gabava de sua importância e o respeito que inspirava em todos os outros técnicos, muitos "ele mesmo ensinara a trabalhar". No final, com o serviço operacional ele veio me agradecer por ter tirado uma pedra do seu sapato e ficamos bons amigos.

Os stakeholders neste caso se dividiam em três grupos: 1.os que estavam interessados no sucesso do projeto (patrocinador e o velho engenheiro), 2.os técnicos internos (tarifação e configuração do sistema de voz) que não estavam particularmente interessados mas que apoiariam se houvesse pressão interna para disponibilizar tempo para nos atender, e 3.os técnicos estrangeiros que queriam fechar a ordem se serviço para assinar o contrato. A cada um eu dei o que precisavam: 1.respeito a hierarquia, 2. explicações detalhadas do que deveria ser feito e 3.feedback contínuo sobre o andamento das configurações. Não havia um opositor explícito mas se existisse eu o manteria na mira e faria como recomenda o ditado: "mantenha os amigos perto mas os inimigos ainda mais perto..."

Conclusão

Se alguém ainda pensa que isso tudo é perda de tempo, é porque nunca teve uma experiência ruim. Quando faço coaching de gestores, eu exijo a planilha detalhada de análise porque ela indica o quanto o gestor conhece o terreno onde pisa. Muitas vezes ficamos horas discutindo os detalhes de cada interessado crítico. Mas para isso agregar valor, você precisa partir de dados concretos, portanto comece fazendo um levantamento completo. Com qualquer destas ferramentas, o importante mesmo é investir no levantamento de informações sobre cada participante e refletir sobre seus interesses e objetivos com o projeto. Só assim você evita surpresas desagradáveis mais tarde.

Boa Sorte !